(réquiem de Yolando Savioli e de muitos outros pais)
esses moços, pobres moços, ai se soubessem o que sei… Lupicínio Rodrigues
minha memória já é um tecido ralo
esgarçada e não mais tão minha
busco o rosto de meu pai numa caixa de lembranças
cada expressão e olhar
os vincos que confessavam seus dias
os gestos que acompanhavam as palavras
aperto os olhos
insisto em ver para dentro
esmiúço cada canto visceral
descubro que mais um traço se foi num borrão
cruel e indiferente ao que sinto
faz-me ir esquecendo o seu rosto
esmaecem mesmo as linhas que obrigo resistir
sobram mais as histórias tão parceiras da ausência
e sempre há uma que me afoga o peito
um nó sem desate que prende a angústia
um pesar de alguma desventura a ser dividida
um desafogo por precisão da alma
aquela pracinha de Cabreúva instigou
tramou a camaradagem
e o acaso conspiraria para a cumplicidade
não houvesse o embaraço precinto e antigo
tive medo
deixei perseverar a distância
revolvo cada dia buscando aquelas palavras
nos gestos silentes de cada traço perdido
mesmo sem culpa pela generosidade que não houve
o inútil faiscar insiste como pena
lamento o pouco que conheci do homem
lamento ter perdido o seu olhar de pai
eram meus trinta e poucos anos
eu era um menino e pensava que sabia da vida