A cidade que o tempo perdeu


ainda tenho a vila antiga e sépia

a rua estreita depois do largo

o casario desalinhado

com beirais de bruços nas calçadas

e um rabo de chuva que insistia

pingadeira a ferir o lajedo

empurrando a pisada pro canto

junto ao limo do rés do barrado


no caiado descascado e rude

as vergas na taipa de pilão

vergas retas de clarões que pobres

sustentavam vãos a conspirar

janelas se olhos daquela rua

gelosias a iludir os ciúmes

tinham um olhar furtivo e ferino

rapina às mazelas desgarradas

 

o menino escondido na igreja

atrás dos arcos do campanário

a voar pelo olhar se ave era

tinha a rua a cortar sua vila

na perspectiva dos lampadários

morria a luz na curva do fim

por onde ia embora o destino

por onde entrava o desassossego

 

tardes mortas, desertas, indolentes

final dos dias nos degraus da igreja

a vila calma esperava as festas

a procissão que ateava vida

o casario que se enfeitava

a memória assombra os pensamentos

depois de ter vivido seus dias

eu assisti sua ruína vã



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