sigo por campos desconhecidos nas terras argentinas
até os limites da cordilheira onde o Chile encosta
na planície da patagônia que se abre infinita aos meus olhos
me cobriria um céu de azuis e estrelas não fosse a cerração soprada dos glaciares
massa cinza que envolve El Calafate entre um cerro e o lago Argentino
cada plano desta natureza encanta e transforma o olhar
e no desolamento de um grande deserto marrom que falso
a vida é vigiada pelos ancestrais tehuelches e pulsa incontida e perene
não há vazio que a natureza permita
na estepe os arbustos tomam a cor do chão inóspito e acerbo
velam guanacos, nhandus, zorros e toda vida que permeia
junto aos rebanhos de ovelhas de lã tingida pela poeira soprada
mesmo o puma nesse mimetismo que trama
se perde da caça que ilude seus olhos felinos
no alto a testemunha do condor impera sua soberba
mas não encontro solidão onde o silencio apenas é cortado pelo vento
a linha negra segue na vastidão como se sempre estivesse lá
e por mais que o carro corra parece não se mover na reta infinda
ao longo daquele lago imenso de margens sinuosas e coleantes
um imenso bloco de gelo jaz nas águas, um topázio com desdém à perenidade
imagem insólita a quem sempre teve a serra do mar nos olhos
mas de súbito surge o glaciar e uma beleza etérea arrebata os sentidos
e se desfazem as palavras tomadas pela natureza extremada e singular
um azul que eu desconhecia penetra a minha alma
da janela do hotel vejo El Calafate a se debruçar sobre o lago Argentino
lá fora o vento patagônico soprado dos campos de gelo acossa
fere a pele e sopra como fosse arrancar as pedras do chão
os álamos dobram e a irritação das águas quebra o espelho
um cenário aberto profundamente traz os pensamentos
volvem poemas de tantos poetas desta América enjeitada
a cantar a beleza das terras mesmo em um continente repartido
mas a diversidade dos povos não é o que nos separa neste chão americano