os atabaques arrebatam
contagiam a carne
abrem as entranhas do terreiro
no ritmo febril dos ogans
os pontos dão voz à percussão
quanta Europa convertida em África
banzo dos bantos a sonhar com Angola
a trama das matas na crendice que abranda
o ritual de oferendas aos orixás
os vultos desvelados nos olhares baços
onde havia os sentidos
e aos olhos se juntam outros olhares
e às bocas se juntam outras vozes
o corpo se ferramenta apenas
rende-se ao propósito de quem o toma
a idade afigurada a arquear os corpos
o cuspe do fumo dos pretos velhos
as baianas na gira das saias de rendas
o andar mareado dos povos d'água
e a dança tribal a rodar no congá
no topo oxalá despido da cruz
do remorso que tanto traz o crucifixo
tão desnecessário o flagelo exposto
e a insistência das aspas a ferir sem piedade
um abraço também confessa a resignação
a entrega sem o artífice suplício da dor
acolhe nos braços abertos e serenos
a inocência das crianças que medram
e tomam os corpos maduros e graves
ledos seriam se não houvesse a luz
os planos celestiais desconhecem limites
buscam o mesmo equilíbrio obstinado da natureza
a nudez dos sentidos despida a razão
deixa-se aos mistérios onde permeiam
a fé se ajoelha neste chão primitivo
oxalá abre o congá aos aflitos
no chão onde as dores
Iemanjá ilumina o risco da pemba
e divinal ampara cada fronte constrita
a serenidade simplesmente repousa
ainda ouço o toque dos atabaques
e os pontos no canto dos ogans
tenho o incenso em minhas narinas
o olor da arruda nas mãos que a tocaram
e nos pés a terra batida e primordial