Os imigrantes


duas caldeiras que resfolegando um navio movido à vapor e velas

ainda resquícias, a levar um barco tão abarrotado de refugiados

sob a lona no convés escaldante do sol a pino a ferir os pés

na dança alegre que esconde a tristeza, viveu a fé ao paese di cuccagna

 

no oceano interminável, o medo era companheiro das tempestades

quem criado em encostas e vertentes se perdia nas águas sem fim 

nem orações aquietavam a aflição da alma arrependida pela jornada

e nas redes da terceira classe as náuseas dormiam entre dores e sonhos 

 

quarenta dias da incerteza insólita fustigando cada esperança

a quem ficou era como tivessem morrido no cais já no embarque

a miséria deixada nas aldeias esvaziadas não se fez de consolo

da pobreza nada restou além das lágrimas e do aceno de adeus 


instigados pelo clamor que último vendia o delírio no porto 

o que o afogo aceitava por verdade, a verdade os tratava por carga

foi o que compraram para embarcarem com os restos dos trapos e dores

na ilusão da eterna graça num porto onde o sol seria a têmpera da terra

 

acumulada no cais toda a poeira batida dos sapatos tão rotos 

a esperança cruel ao criar sonhos, mas doce ao iludir os pesadelos 

no bojo amontoado de um barco imundo sequer essa esperança esvaiu

nem o fedor confinado acabando por fazer parte do pensamento

 

e se imaginavam dever à América, era ela quem deles precisava

as terras vazias e abandonadas pelos escravos, negros libertos

se lhes respaldassem com as pagas justas, não se perderiam os campos

ficaram aos italianos suas terras e as chagas da escravidão maldita

 

quem tornaria à Itália na alegria do voltar e perderia as conquistas?

e não existiam mais as antigas aldeias e os vinhedos cultivavam os jovens 

as promessas que o cais ouviu jamais seriam cumpridas mesmo as de amor

dos que ficaram não houve aventura alguma a não ser esperar a safra 

 

não importava o retorno de quem foi, a não ser nas gerações que ouviram

a nostalgia, se herança de velhos, alimentou a imaginação fértil

e as histórias da colônia sabidas na ponta da língua se perderam

quando não foram encontrados os contos há muito tão desenrodilhados